terça-feira, 10 de outubro de 2023

O Córrego Bom Jesus, na Região do Nacional, está sendo atacado em suas cabeceiras, onde é mais frágil. Vamos deixar isso acontecer?


Veja como está sendo tratada a Bacia do Córrego Bom Jesus. O Córrego vai secar!!! O que podemos fazer pra impedir isso? 

Ecovida: O mar de Minas

Ecovida: O mar de Minas: Aos ecossocialistas – companheiros, protetores de animais e ambientalistas Dizem as más línguas que os mineiros se sentem profundamente humi...

domingo, 1 de setembro de 2019

Memórias




Dia 1

Ontem eu tomei muito café (ontem acabou-se há 20 minutos) e agora perdi o sono. Além disso, soltam foguetes (estamos no mês de São João, São Pedro, Santo Antônio, fogueteiros) e os cachorros latem muito. Impossível dormir.
Escrevo. Exausta e tensa. Escrevo. E grito com Cosme pra parar de latir. A fala  dos outros animais nos cansa porque parece repetitiva. Seu sentido oculto a nosso conhecimento não nos permite saber o que dizem. Mas é claro que dizem algo.
Ao longe, uma voz esganiçada canta uma música qualquer. Entendo apenas o refrão ô ô / ô ô. E por ele sei que é uma porcaria de música.
O futuro é incerto sempre. Mas o futuro dos brasileiros é mais incerto ainda com essas novas políticas. O que quer a burguesia? Nosso couro esticado pra fazer tambor.

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No cais

Balança um barco negro
Quase invisível na noite negra do mar.
Balança, balança...
Quer se soltar e enfrentar o abismo.
Mas ali o prenderam
Ancorado
Amarrado
Escuro e só.
Quer se soltar e enfrentar a tormenta.
Mas está fisgado
Paralisado
Tremula insone
Vibra em febre
Quer a onda alta
E os riscos do abismo.
Concha escura,
Úmida e sóbria.
Pretume azedo,
Entre terra e mar.

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Dia 2

Os relógios marcam as mesmas horas, com diferenças mínimas, de 1 minuto talvez. O relógio do meu quarto atrasa mais, em torno de 5 minutos. O eclipse da lua me deixou pensativa. Fiquei vendo nela a sombra da Terra - tão redonda e perfeita que parecia traçada a compasso. A face oculta dava à lua cheia uma cara de minguante ou crescente. 
Nunca sei quando é minguante ou crescente, a não ser que me lembre se as noites anteriores foram de luta cheia ou nova. 

Uma coruja pia. Meu pai achava que a coruja é bicho de mau agouro. Fico assim... pensando... na coruja e nele. Mas acho o pio bonito. É cadenciado e às vezes como que aflito. Pio repetido doze ou quatorze vezes e depois um longo silêncio. Voou pra longe? Professorinha da noite.

Porque me disseram que eu era injusta? Justo eu, que luto tanto pra ser justa, pra respeitar os direitos dos humanos e dos outros animais. Que doideira!

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Dia 3

Há muitos anos atrás eu estava em Campinas, num congresso de leitura, hospedada em uma pensão com meus filhos. A cuidadora dos jovens pensionistas se chamava Pureza. Nunca vou esquecer esse nome porque era a cara dela. Era uma mulher de uns 40 anos, negra, solteira, não muito bela, simples, atenta à sexualidade dos jovens. Pra impedir que chegassem às últimas consequências. Meu filho entrou no quarto das moças e Pureza gritou numa voz agoniada que saísse de lá. Ele levou um susto e foi aí que soubemos que era proibido aos homens entrar no quarto das mulheres e vice-versa.

Foi em Campinas, na pensão de Pureza, que ouvi falar pela primeira vez do quarto do pânico. Uma mulher contava que em sua casa tinha um quarto desse tipo. É um lugar usado em situações gravíssimas. Aquela mulher era muito rica e tentaram assaltar sua casa. Os policiais ou os assaltantes (não me lembro mais) tinham um helicóptero e sobrevoavam a casa. Ela entrou com os dois filhos pequenos no quarto do pânico e lá ficou até que os ladrões estivessem presos ou em fuga. Ela dizia que pensava desesperadamente na vida dos filhos e que, se pudesse, haveria de engoli-los para protegê-los. Um parto às avessas era o que ela queria. Reinserir os filhos dentro de si mesma pra protegê-los da violência, da morte, do aleijão, do sofrimento.

Hoje, com uma filha no Nordeste e um filho nos EUA, eu também gostaria de poder engoli-los pra protegê-los do mal que ronda nossos dias, todos os dias, de todos os meses. Sem trégua. Sem helicópteros. Com celulares. (21/07/19)

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Dia 4

Estou de novo sem sono. Café? Não. Vontade de ler, de ver um filme arrebatador, de conversar com alguém até o dia amanhecer. 

Aqui a gente ouve os galos cantarem quando chega a madrugada. Há galos na vizinhança. Aqui havia  aranhas, cobras, sapos, morcegos, lagartas, borboletas. Os cães devastaram tudo. Eles se parecem com os humanos na defesa intransigente da propriedade e na agressividade. Não sei quem ensinou a quem, mas talvez esse territorialismo seja o que mais aproxima as duas espécies. Agora aqui só restam lagartixas. Raras. Cautelosas, só aparecem à noite. Alguns mosquitos da dengue e moscas das bicheiras também sobrevivem. Cães odeiam mosquitos. São capazes de pegá-los no ar com sua boca cheia de dentes e comê-los. Rápido e certeiro bote. Também odeiam ratos. Bruce é como um gato na caça aos ratos. Ele se especializou nisso. Houve uma noite em que matou 5 ratos. Está sempre atento a eles que descem pela chaminé de um fogão desativado em cujas trempes dorme o Bruce. Ele adora subir em tudo, saltar portões e janelas. Sua cama, em cima do antigo fogão de lenha, lhe permite caçar os ratos que descem pela chaminé e tentam comer sua ração. Ele pega todos. Às vezes os fareja no terreiro. Persegue. Corre. Salta. Se enfia nas moitas de coqueirinho. Acha e mata. Não come. Traz pro ninho e não gosta que eu os recolha ao lixo. Bruce é um humano típico.

Bolsonaro vai cair. Mas antes vão cair Dallagnol e Moro. Vai haver guerra. No Brasil ou no mundo. Ou em ambos. Todos os sinais são de guerra em gestação. Vagidos de feto no útero da intolerância. Sadismo. Virulência discursiva. Assassinatos de reputações. Polícia na rua batendo em manifestantes. Esquerda e direita. “O tempo rodou num instante” e tudo que era sólido está se desmanchando no ar. Que cansaço dessa vida... Seria justo ter outra. Mas se for pra passar por tudo que já passei, prefiro que não tenha nada. Morrer e acabar. Voltar a fazer parte do grande ciclo da vida, ser adubo das plantas, ser água da chuva, brilho de estrela, areia do mar. Ser qualquer coisa. Menos ser gente de novo. Ser gente é muito conflitivo. Um saco.

Eu queria ter um jardim de açucenas. 06/08/19

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Hoje, 27 de agosto, estou comendo uma goiaba branca, quase madura, doce e limpa de tóxicos. Essa goiaba vem de uma goiabeira que fica em frente à janela da cozinha. Quando ela era muito pequena, tentei destruí-la porque pensei que os ratos iam se aproveitar de seus galhos para entrar na cozinha. Mas ela sempre renascia e eu fui ficando com dó de matá-la. Ela cresceu forte, linda. A distância entre ela e a cozinha é de uns 80cm. Assim: ela está colada ao muro mas do lado de lá dele; entre o muro e a casa tem um corredor estreito; ela cresceu acompanhando o muro e o ultrapassou; e jogou seus ramos, com eu previra, contra a parede e a janela da cozinha. 

Daí eu já não tinha mais coragem de ofendê-la. Sou assim: ou mato de uma vez ou cuido pra sempre. Odeio ficar quebrando pedaços, arrancando folhas, maltratando. Daí eu reuni seus galhos voltados pra janela com cuidado e os amarrei noutro galho que se direcionava no sentido contrário, em busca do sol. E livrei a casa dos ratos. A goiabeira cresceu mais e começou a dar frutas. Sem chuva, só com a água com que lavamos o corredor uma vez por semana, ela foi vencendo a morte. Está cheia de folhinhas novas e flores e frutas enormes.  Goiabas rijas, polpa dura, firme, sem lagartos dentro. Sementes doces, fortes. Vejo todos os dias sua beleza exorbitante, sua teimosia em ser grande e frutífera. Minha linda irmã, tento acariciá-la com o olhar, docemente, enlevada com sua graça.

Mas eu não queria precisar de comer seus frutos.

A vida vive da morte de outras vidas. Sempre que como uma fruta, peço-lhe perdão silenciosamente, uma dor fininha latejando no peito. Se eu não comê-la, ela vai morrer de todo jeito. Seria melhor essa morte natural? Apodrecer aos poucos, despencar-se das alturas, esborrachar no chão, ser vistoriada e comida por insetos e cães (meus cães adoram goiaba). Se eu não comer, outro ser vivo vai comer. Mas isso não me consola em nada. Continuo com pena dela. Tão linda, meu Deus! Será que sente dor? Medo da faca que a corta? Dos dentes que a trituram? E depois seus pedaços descem pelo canal estreito do meu esôfago e caem no saco estomacal. Recebem ácidos, misturam-se a outras substâncias deglutidas, desmancham-se, mudam de cor, ficam cada vez mais macios e pastosos. Será que têm consciência desse processo? Cada pedacinho pensando em si e no todo que deixou de ser? E no outro todo em que se transforma? Sangue, urina, fezes, suor. Energia. Músculo, veia, pelo, pele. Quanto de goiaba existe no meu coração? Eu não queria que outros seres morressem pra que eu vivesse. Não queria ser obrigada a comer outras vidas. Maçãs. Ervas. Coco. Aveia. Milho. Seria bom se a água nos bastasse. Beber água e viver. Beber água e andar, rir, escrever um poema. 

Mas isso é coisa de anjo.


03/09/19

A primavera já chegou para as árvores frutíferas. Pequenas flores esbranquiçadas, rosa-claro que vão virar carocinhos verdes e depois manga, amora, goiaba, pitanga...

A primavera chega com a floração dos ipês. De repente, você percebe uma mancha amarela, enorme, pura luz vibrante dos trópicos. E no chão outra mancha da mesma cor, como se fosse um espelho refletindo aquele céu luminoso e circunscrito a uma árvore pujante, poderosa, vívida.

A primavera na Amazônia deve ser uma visão do Éden que nossos pais bíblicos recusaram pra trilharem o vale de lágrimas e serem, humanamente, filhos de Deus. Eles correram o risco da dor, do choro, da fome e da agonia pra serem humanos. Optaram. Assumiram-se. Gente de coragem e paixão. Imperfeitos e, no entanto, filhos. Desobedientes e, no entanto, filhos.

A primavera na Amazônia está cheia de dores, uivos de fogo, mortes de árvores antigas e folhas muito tenras, sofrimento de frutos murchados por línguas incandescentes.

A primavera do Brasil é povoada de flores negras de fuligem. Rasgada por tratores de chumbo e sangue. Visitada pelas lanças da morte. Os velhos nunca viram uma primavera assim. Os jovens talvez voltem a vê-la, caso a vida não reaja à sua própria morte.

O mundo reza. O papa reza. Todos aflitos. Nossa casa primaveril despencando sob o fogo cerrado dos madeireiros, fazendeiros, agronegociantes, grileiros, assassinos. Nossa casa em chamas. Primavera...


29/02/2020

Nina está latindo há meia hora. Ela é de porte médio, tigrada: seu pelo é brilhante-escuro-rajado-de-fios dourados, cinzentos, suaves e ao mesmo tempo rijos, fortes. Nina é medrosa. Eu a recolhi filhotinha, no CCZ de BH, quase à morte, numa combinação demoníaca de cinomose e parvovirose, junto com outros 20 bebês caninos. Lembro que quase enlouqueci tentando salvar a vida deles, isolando-os dos outros animais, dando comida e água na boca, remédios sem fim, colo, choro... Quase não dormia, vivia caindo de sono. Comia sem parar pra conseguir ficar acordada.

01/03/2020

Certa vez, eram 2,30 da madrugada e eu saí da casa de baixo (onde moram os gatos, 4 cachorros guardiões e, nessa época, moravam os filhotinhos do CCZ) para ir pra casa de cima (onde eu moro). Estava com fome e uma dorzinha de cabeça, andava com dificuldade por causa do intenso cansaço e só pensava em tomar um banho, lanchar e dormir. Os filhotes estavam todos limpos, medicados e alimentados. Eu tinha umas 4 horas de descanso pela frente porque às 6,30h em ponto os canis iam vibrar com o latido incessante de uns 100 cachorros, querendo sair da cadeia, fazer xixi e cocô, fuçar a terra, correr, brigar, rolar na grama...
Na chácara ao lado, um baile funk retumbava. Gritos histéricos de adolescentes, barulho de garrafas quebrando, brados ao microfone... Na parede da casa, um jato de luz vermelha intermitente me contou que a polícia já fora acionada e estava por ali buscando irregularidades. Mas eu ia dormir de qualquer jeito. Exausta.
Quando cheguei no foco da lâmpada da área, ouvi o ruído de palmas atrás de mim, no rumo do portão da rua. Olhei pra trás e não acreditei no que vi. Dois homens ainda jovens, caminhando em minha direção, dentro do meu terreiro:
- Ô, dona, deixa a gente pular seu muro pra entrar no baile sem pagar!
Odeio funk e baile funk:
- Cês tão doidos? Fora daqui. Volta por onde vieram.
- Deixa, dona!
- Fora de minha casa já. Tropa de vagabundo. A polícia tá na rua. Vou chamar agora.
Porra meu! Os caras fizeram meia volta e só então eu tive medo e corri pra rua.
Cena dantesca no meu portão: menores espremidos contra o carro da PM, gente discutindo, portaria do baile sem porteiro, uma multidão saindo com cara de inocente, os olhos redondos de medo.
- Polícia, tem dois caras estranhos dentro do meu lote, pularam o muro.
- Não posso ir lá agora, tamo procurando 2 bandidos no baile.
- E se os bandidos forem os que tão lá no meu quintal?
- Né não.
- Como você sabe? Não viu eles...
- Não posso, ir dona. Chama a polícia.
- Oh!!! Mas o senhor  É a polícia!!! É homem. Tá armado...
- Não posso. Tô vigiando esses menores aqui. Se eu sair eles caem no mato.
- Então tá. Vou soltar os cachorros nos dois lá no quintal.
- Faz isso. Manda pegar eles.
Chamei Piedade, Laura e Apolo que se recusaram a me seguir porque estavam muito interessados em latir para o baile funk do outro lado do quintal. Pensei comigo: Puta merda, na hora do aperto, tô sempre sozinha. E fui. Com uma lanterna fuleira que apagava a toda hora. Revistei o capim alto e observei longamente a copa do angico que crescia soberano e forte. Nada. Os caras tinham se picado.
Fui dormir.




O mar de Minas

Aos ecossocialistas - companheiros, protetores de animais, ambientalistas


Dizem as más línguas que os mineiros se sentem muito humilhados porque Minas não tem mar. 
São Paulo tem mar. Bahia tem mar. Paraíba tem mar. E o Rio, claro, tem mar! Até Mato Grosso tem um mar Pantanal. E as terras amazônicas têm mares infinitos e robustos que, além de tudo, são formados por água doce. O navegador espanhol Vicente Pinzón, que comandava a caravela Niña na expedição de      Colombo, chamou o Rio Amazonas de "Mar Dulce".
Pois é... E Minas, coitadinha, não tem mar...

Minas tem minério, principalmente o ferro. Grande parte desse ferro está localizado no chamado Quadrilátero Ferrífero que abarca 25 cidades da Região Metropolitana de BH: Bom Jesus do Amparo, São Gonçalo do Rio Abaixo, Barão de Cocais, Santa Bárbara, Catas Altas, Alvinópolis, Mariana, Ouro Preto, Ouro Branco, Congonhas, Jeceaba, Belo Vale, Moeda, Itabirito, Rio Acima, Brumadinho, Mário Campos, Sarzedo, Ibirité, Nova Lima, Raposos, Sabará, Caeté, Belo Horizonte, Santa Luzia. O Quadrilátero Ferrífero tem uma área de aproximadamente 7.000 km2 e se localiza entre Ouro Preto, a sudeste, e Belo Horizonte, a noroeste, compondo a parte sul da Serra do Espinhaço.

É preciso, contudo, observar que o minério de ferro tem uma particularidade - trata-se de uma pedra porosa que, como uma esponja, vai absorvendo as águas das chuvas que caem na superfície da terra e descem, lentamente, às vezes gota a gota, acumulando-se no subsolo e formando enormes lagoas sob a terra. Portanto, debaixo das formações geológicas do Quadrilátero Ferrífero estão escondidas as águas de um Quadrilátero Aquífero: um verdadeiro mar de água doce. Essa imensa bacia subterrânea, presente debaixo do território das cidades acima citadas, brota em nascentes e vaza em córregos que vão se juntando e formando os grandes rios de nosso Estado.

Um dos mais importantes rios de Minas e do Brasil é o Rio das Velhas, que fornece 70% das águas que abastecem BH e sua Região Metropolitana. Seu nome provém do tupi-guarani Uaimií (Rio das Velhas) que se aportuguesou como Guaicuy e finalmente Rio das Velhas.  Esse importante curso d'água percorre 51 municípios mineiros até se encontrar com o São Francisco, em Várzea da Palma, no distrito de Barra do Guaicuí.

O território de Minas é todo assim: atravessado por nascentes, córregos, rios, veredas, brejos. Nossos principais rios (São Francisco, Paranaíba, Jequitinhonha, das Velhas, Grande, Verde Grande, Araguari, Paraopeba e Paracatu) nascem nas terras altas de Minas, a partir das lagoas subterrâneas que, vazando e descendo a patamares mais baixos, vão se encontrando e encorpando até desaguar do Oceano Atlântico pela foz do Velho Chico.

Ou seja, as águas doces de Minas ajudam a compor as águas fundas do mar.
Hoje, dia 24, último domingo de setembro, é o Dia Mundial dos Rios. E aqui, em Contagem, a "cidade das nascentes", comemoramos nossos muitos mares não convencionais: quadriláteros, longilíneos, localizados no topo das serras, debaixo do ferro, cobras de água serpenteando pelo terreno pedregoso do Cerrado, viveiro de nascentes borbulhando nas veredas, sussurro de gotas nas cavernas de Luzias.

Minas e seus rios. Nossas vidas. Nossos mares.









 
















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